O metal nacional vai muito bem, obrigado. Por mais que detratores e “rockeiros de redes sociais” não tenham coragem de tirar os glúteos da cadeira, parar de vomitar que o rock morreu e conferir shows ao vivo, o rock/metal sobrevive com excelentes bandas à solta por aí. Basta deixar a preguiça de lado e ir atrás do que rola Brasil afora e sacar que existe o “metal-verso” com grupos fazendo música extrema de qualidade.
Isso ficou escancarado no evento do Cine Joia no qual a paulistana Crypta, encerrando a tour “Shades Of Sorrow 2024”, foi headliner, trazendo também quatro bandas que fizeram os fãs bater cabeça, com rodas de pogo e muitas torções no pescoço.
A abertura dos trabalhos ficou com a paulistana Inraza, que em sete anos de estrada já demonstra maturidade, passando de banda promissora a integrante do rol dos grandes nomes da música extrema. Pontualmente às 17h, o quarteto formado por Fernanda Souza (garganta), Bruno Ascencio (guitarra), Robin Gaia (baixo) e Davi Oliveira (bateria) deu início à maratona metálica.
Claro que o público ainda estava longe de encher a casa, porém quem chegou cedo conferiu a ótima performance do quarteto. Fernanda Souza tem uma técnica gutural que impressiona, sendo ladeada por caras experientes que dominam os instrumentos. Fernanda agradeceu o convite para participar do festival, enaltecendo o quanto a cena underground se fortalece graças aos fãs, chamou a galera pra agitar e bangeou de um canto ao outro do palco. Devido ao line-up extenso a Inraza tocou apenas 26 minutos mandando as porradas Sociexit, Stuck, Desolation, Crowning, Infection e Ruined Before Creation. Segundo o quarteto, “o evento foi maravilhoso, uma grande oportunidade de mostrar para o público nossa trajetória. Ficamos felizes com o convite e com nossa apresentação ao lado de bandas que nos inspiraram muito.”
O evento começou levando a régua lá pro alto. Aí vem aquele corre de sempre com roadies pra lá e pra cá preparando o palco para a próxima banda: Manger Cadavre?, de São José dos Campos/SP. Assim como A Inraza, o grupo interiorano é um quarteto com guitarra, baixo, bateria e uma mina no vocal. Às 17h50 o trio Paulo Alexandre (guitarra), Bruno Henrique (baixo) e Marcelo Kruszynski (batera) deu início ao set num clima soturno, mais lento, mas que acelerou e atingiu velocidade máxima para a entrada da vocalista Nata. Com gutural também de respeito anunciou Imperialismo, canção que dá título ao mais recente trabalho do grupo, de 2023. Foram pouco mais de 35 minutos de apresentação confirmando que os caras, na estrada já há 13 anos, sabem o que fazer no palco. Alternando fases entre o hardcore e o death metal, o Manger Cadavre? manteve a temperatura, literalmente, altíssima. Nata a todo momento pedia ao público ir com a banda numa conexão enorme, agradecendo à Gravadora Xaninho pelo convite para o festival. Com letras em português, a banda aborda as desigualdades sociais e desmandos de um estado repressor – não faltaram palavras nada elogiosas ao ex-presidente Bolsonaro. A vocalista também pediu o fim da violência policial, a extinção da PM e a saída do governador de São Paulo. Entre outras, os caras detonaram Tragédias Previstas, A Raiva Muda o Mundo, Retórica do Silêncio, Desmascarar a Mentira e Demônios do Terceiro Mundo. Às 18h27, encerraram o set com Como Nascem os Monstros, que dá título ao novo disco, com lançamento previsto para fevereiro do próximo ano.
Sai a Manger e novo corre dos roadies. Pontualmente às 19h, as luzes apagaram e a carioca Hatefulmurder deu início a mais uma saraivada brutal de death/thrash. A sólida trajetória discográfica teve start com o single Extreme Level of Hate, de 2009. Depois, entre EPs e full-lengths como Reborn, de 2019, e o recente I Am that Power, consolidaram-se como uma das forças motrizes da música extrema nacional, com tours pelo Brasil e exterior.
Comandando o mic está a talentosa Angélica Burns e a cozinha formada por Felipe Modesto (baixo) e Thomás Martin (bateria) deu segurança para o guitarrista Nando Pirozzi (substituindo Renan Campos) desfilar solos e riffs, como manda a cartilha guitarrística. Uma coisa que chama muito a atenção na música extrema é o trabalho competente dos bateras e isso se aplica a todos que tocaram no festival, e a técnica de Thomás Martin nos dois bumbos é elogiável. Uma porrada atrás da outra. Burns, além de guturais de responsa, sabe comandar a galera. Saudou o público com um “vamos botar pra foder”, muitos “hey, hey, hey” e mandou a galera se dividir e fazer uma roda insana. Foram 41 minutos de outra grande apresentação que teve, entre outras, Call out Your Soul, Psywar e Eye for an Eye.
Tudo estava indo bem, seguindo uma pontualidade britânica. Até começar o corre dos roadies em preparar o palco para a Angelus Apatrida. A banda espanhola é uma grande representante do thrash metal do país europeu e em São Paulo fez o último show de sua tour sul-americana. Antes de chegar à capital paulista, o quarteto formado por Guillermo Izquierdo (vocal e guitarra), David G. Alvarez (guitarra), Jose Izquierdo (baixo e vocal) e Vitor Valera (bateria) passou por México, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Chile, Colômbia e Argentina.
Com 24 anos de uma estrada devidamente pavimentada com um thrash poderoso e visceral, fazendo mexer o esqueleto até de cadáveres, o Angelus Apatrida foi criado na região de Albacete, sul da região de Castilla-La Mancha. Sua discografia tem álbuns que são verdadeiros bate-estacas, como Give ‘Em War (2007), The Call (2012), Hidden Evolution (2015) e Aftermath (2023), e os espanhóis eram muito aguardados pelo público que já lotava o Cine Joia. Porém, problemas técnicos no equipamento abreviaram a apresentação do quarteto, que foi de apenas 20 minutos. Mesmo assim, foram insanos e intensos com o público, aproveitando cada segundo para bangear, agitar e curtir uma apresentação irretocável. Guillermo Izquierdo agradeceu a presença de todos, pediu desculpas pela demora e prometeu voltar. O que seria uma despedida da tour se transformou num pocket show, mas que evidenciou a força deste gigante do thrash espanhol. Muito simpáticos, os quatro distribuíram palhetas e baquetas para os que estavam colados no palco.
Depois de maratonar quatro grandes bandas, era hora de aguardar a Crypta. Ansiedade crescendo, a temperatura cada vez maior com o Joia lotado, um dos roadies distribuía copos de água para os que estavam se espremendo na frente do palco. Foram 40 minutos para preparar o palco e a espera foi compensada por uma apresentação que teve início às 21h40. A bateria de Luana Dametto foi montada ao fundo do palco, diferente das outras bandas, cujas bateras ficaram no centro, dando mais liberdade para Fernanda Lira (vocal/baixo),Tainá Berganaschi (guitarra) e Jéssica di Falchi (guitarra) agitarem.
Ovacionadas e com a galera histérica, o quarteto mostrou que criou casca. Com apenas dois discos na bagagem, Echoes of The Soul (2021) e Shades of Sorrow, do ano passado e que promove a tour, já têm uma legião de seguidores fiéis, isso muito por parte dos fãs acompanharem Fernanda Lira desde os tempos de Nervosa. Foi minha primeira vez vendo a Crypta, porém vi alguns shows da Nervosa e é nítida a evolução de Lira como vocalista e instrumentista. Sua performance de palco atingiu um nível extraordinário: agita, bangeia, faz caras e bocas, vai de um canto ao outro do palco e chama o público. Tainá e Jéssica não ficam atrás. Excelentes instrumentistas, alternando solos e riffs, e bangeiam de forma que dá dor no pescoço só de olhar. E Luana Dametto é um dínamo na bateria, desce as baquetas como se fossem martelos do apocalipse.
Antes de encerrar em São Paulo, a “Shades of Sorrow Tour 2024” passou por vários estados do Brasil, além de dividir a perna internacional entre Europa e América do Norte. No Cine Joia, foram doze canções ao longo de pouco mais de uma hora de intensa apresentação. O set foi desequilibrado entre os álbuns, sendo que Shades of Sorrow contribuiu com dez das doze músicas. A goleada de 10 x 2 só teve dois tentos a favor de Echoes of The Soul: Under the Black Wings e From the Ashes, todas interpretadas por Fernanda Lira, que de forma insana leva os fãs a uma catarse coletiva.
O momento fofura ficou por conta da emoção da vocalista ao ver a casa cheia de rostos conhecidos e feliz por ver caras novas no show. Agradeceu todo mundo, da equipe técnica às companheiras de banda e aos fãs por tornarem tudo possível. Segundo ela, sem os fãs nada vale a pena. Choro e emoção. Disse que São Paulo era o último show do ano e que fizeram 138 apresentações ao longo de 2024, uma a cada três dias. Sem dúvida, a Crypta atingiu um nível acima e merece todo o sucesso que tem.
Por volta das 22h55, o show encerrou com From the Ashes. Apesar dos pedidos insistentes do público, Fernanda brincou dizendo que não tinham mais músicas. Risos e ela literalmente foi pra galera num stage dive divertido. Jéssica e Tainá distribuíram diversas palhetas, Luana porém deixou o palco rapidamente. Long Live, Crypta.
Crypta setlist
The Other Side of Anger
Poisonous Apathy
Lift the Blindfold
The Outsider
Lullaby for the Forsaken
Stronghold
Trial of Traitors
Under the Black Wings – Echoes
Dark Clouds
Agents of Chaos
Lord of Ruins
From the Ashes
Por Nelson Souza Lima
Fotos: Lucas Camargo
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